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Emirados Árabes Unidos, a babel da tolerância.
Vez em quando aparecem oportunidades em nossas vidas que nos marcam para sempre. Após quase dois anos de pandemia, boa parte trancados em casa e obviamente sem viagens internacionais, acabo de voltar de uma realmente inesquecível, algo que ficará para sempre guardado na minha memória, dias intensos, super cansativos, mas extremamente recompensadores.
Tive o privilégio de ser convidado para fazer parte da delegação do Jewish Diplomatic Corps (JDCorps) que conta com trezentos e cinquenta membros em cinquenta países, trata-se do Flag Ship Program, principal programa diplomático do World Jewish Congress (WJC), organização guarda-chuva de comunidades judaicas em cento e três países, sendo a septuagésima terceira, recentemente aceita, a pequena mas crescente comunidade judaica dos Emirados Árabes Unidos. Estávamos em quarenta lideres comunitários de vinte países que tiveram a oportunidade única de vivenciar in loco, com alguns dos principais atores, a experiência dos Acordos de Abraão nos Emirados Árabes Unidos por uma semana.
Foram dias de profunda imersão com encontros, contatos, trocas de experiências, pontes e novas amizades, diretas e verdadeiras, que nos deram a certeza de uma paz real, duradoura e cheia de oportunidades que só o reconhecimento e entendimento mútuo trazem não apenas para os países envolvidos, como para todos os povos da região e do mundo.
Já de inicio tivemos um encontro com jovens Emiratis da Anwar Gargash Diplomatic Academy a academia de diplomacia oficial dos Emirados Árabes Unidos, nada menos que os futuros diplomatas, cônsules e embaixadores dos Emirados mundo afora em poucos anos, foi um encontro incrível com uma sinergia única, de arrepiar. São pontes como estas, feitas em um momento tão precoce que trazem os maiores “dividendos” para um futuro em parceria.
Nesta mesma noite estivemos com o ativista Loay AlShareef uma pessoa sensacional, árabe muçulmano que por curiosidade foi atrás do judaísmo e do hebraico e se apaixonou pelo que aprendeu. Com o tempo não só virou ostensivamente sionista, mas fala hebraico fluentemente e conhece o judaísmo melhor que muitos judeus. Uma verdadeira bênção para todo povo de Israel. Em dado momento ele nós confidencia que suas posições públicas já lhes causaram vários problemas pessoais e profissionais nas rodas árabes, certa vez quando confrontado sobre seus ideais sionistas ele deixou claro que não era apenas um sionista, mas um orgulhoso sionista… Ele até cantou musicas judaicas em hebraico, super emocionante.
Outro momento de muita emoção foi o encontro com o Sr. Abdullah Alshehhi do departamento de cultura e turismo de Abu Dhabi que nos apresentou a maravilhosa iniciativa do Abrahamic Family House, com obras a pleno vapor.
Trata-se de um centro multi religioso, às margens do Golfo Pérsico, com três maravilhosos edifícios de uma arquitetura única, uma mesquita, uma sinagoga e uma igreja, no mesmo local, lado a lado, em parceria e congregação que prova que a paz veio para ficar neste país.
Ainda em Abu Dhabi visitamos a grande Mesquita Sheik Zayed, um local de cair o queixo de tanta beleza, enorme, suntuoso, magnífico e aberto para absolutamente todo mundo, sua construção foi pensada e ordenada pelo falecido Sheik Zayed, o pai da tolerância nos EAU, justamente para ser um marco neste país que tanto se preocupa com a tolerância religiosa em uma região com tanta intolerância. Tivemos um encontro com o diretor da Mesquita que nos recebeu de braços abertos e nos guiou pelo complexo, algo que nunca pensei que poderia fazer em minha vida já que em Israel, no local mais sagrado para o judaísmo, no monte do templo, onde fica a Mesquita de Al Aqsa, judeus são proibidos de entrar.
Após a mesquita tivemos um encontro intimista com o novo Embaixador de Israel para os EAU, o excelentíssimo Sr. Amir Hayek, apenas um dia depois que a bandeira de Israel foi hasteada e o hino, Hatikva (que significa esperança e cujo significado nesta ocasião foi patente), tocado pela primeira vez nos Emirados Árabes Unidos, um momento extremamente emocionante para todos os amantes da paz, ainda mais para o embaixador.
Ele nos contou das inúmeras iniciativas já acertadas e tantas outras em andamento, em pouquíssimo tempo já se acumulam incontáveis acordos comerciais, culturais, de sustentabilidade entre tantos não só para Israel e EAU como para muitos vizinhos, como o recém assinado acordo de sustentabilidade entre Israel, Jordânia e EAU para troca de energia de placas solares da Jordânia, com financiamento dos Emirados, por água de dessalinização de Israel.
Para fechar o dia tivemos um encontro com Sua Excelência Dr. Ali Al Nuaimi, Presidente do Comitê de Assuntos de Defesa, Interior e Relações Exteriores do Parlamento dos Emirados Árabes Unidos que nos recepcionou ao lado de sua esposa com um típico jantar beduíno. Em certo momento nos disse em relação aos Acordos de Abraão: “Não queremos apenas paz com um governo. Pretendemos ter um relacionamento ativo com as pessoas” e instou os membros do JDCorps a encorajar seus governos a apoiar os Acordos e ajudar a mostrar o valor agregado do trabalho em prol da paz na região. “Sempre que houver uma oportunidade de apoiar a paz, devemos estar lá juntos.”
Já em Dubai, no dia seguinte, iniciamos nossa jornada com uma visita oficial a EXPO 2020, um lugar enorme, com pavilhões de centenas de países, e desta vez, o de Israel também estava presente. Ver as bandeiras de Israel tremulando em um pais árabe sem ameaças é algo indescritível.
No almoço fomos convidados para uma recepção digna de um monarca das arábias pelo Sheikh Nahyan bin Mubarak Al Nahyan, Ministro da Tolerância e Coexistência dos EAU, mas antes fomos recepcionados no suntuoso salão dentro da EXPO.
Quando pensamos na necessidade de um ministro da tolerância, para nós ocidentais e de países democráticos, por mais intolerância que possamos ter em maior ou menor grau em nossos países, pode parecer estranho, mas naquela região castigada por séculos de intolerância religiosa com rotineiro derramamento de sangue, é um cargo muito bem vindo. No caso dos Emirados, é obstinadamente aspirado, claramente ambicionado, e após alguns dias neste país, percebemos como é efetivo e acompanhado.
Neste mesmo dia, tivemos outra oportunidade incrível, uma reunião com Sua Excelência o Senhor Dr. Thani Al Zeyoudi, Ministro de Estado do Comércio Exterior dos Emirados Árabes Unidos, um sujeito jovem, extremamente educado e simpático e acessível, nos recebeu, as usual por aqui, maravilhosamente bem, nos contou detalhes das mais diversas iniciativas em parceria com Israel, por sinal, dias depois ele foi para Israel para mais uma rodada de negócios.
Na sexta-feira, a convite da comunidade local, passamos o shabat juntos, fomos caminhando do hotel para a sinagoga que ficava bastante próxima do hotel. Foram cerca de 10 minutos caminhando pelas ruas de Dubai, um grupo grande, onde a maioria dos homens já estavam com suas kipot nas cabeças. Sim, em um pais árabe regido pela sharia (lei islâmica), pessoas claramente judias ostensivamente carregando seu simbolismo na cabeça, a caminho de uma sinagoga despreocupados é algo que não achei que veria nesta minha passagem terrena, presenciei, participei e chorei.
A principio confesso que fiquei desconfiado, é muita bondade, solidariedade, benevolência, coisas que infelizmente, como judeus, não estamos acostumados. Fato é que quando se tem acesso a pessoas de altos cargos governamentais e até membros da família Real como nós tivemos, é uma oportunidade incrível, mas é apenas um dos lado da historia, nos mostraram aquilo que querem que saibamos. Mas quando é possível ir às bases, os trabalhadores, os estrangeiros que vivem ali e poder confirmar estas informações é recompensador, é maravilhoso.
Vi com meus próprios olhos e conversei com muita gente, de vários níveis em vários lugares, um país que não só fica nas ideias, coloca na prática e faz acontecer uma verdadeira babel de línguas, costumes, religiões, vivendo e convivendo lado a lado, em paz e harmonia.
Vi mulheres de burca, apenas com os olhos aparentes ao lado de moças em trajes praticamente de banho, vi judeus de kipah, muçulmanos de kefiah, cristãos com crucifixos, brancos, negros, pardos… lado a lado, sem olhares, sem comentários.
Vi israelenses (aos montes) e árabes/muçulmanos de várias partes do mundo, inclusive vizinhos há décadas em estado de guerra, trocando gentilezas entre si, se oferecendo para tirar fotos uns dos outros, e até sugerindo melhores posições. Vi mulheres ocidentais ajudando homens árabes e vice-versa, vi uma miríade de todos os tipos de pessoas, cada um na sua, todos numa boa.
Que o exemplo dos Emirados Árabes Unidos se espalhe por todo Oriente Médio, tão castigado. Que seu exemplo de tolerância e harmonia, com tanta prosperidade seja a luz que esta região e o mundo, tanto precisam, InshaAlah.
Salam, Shalom!
Ariel Krok
Membro do Steering Committee do Jewish Diplomatic Corps.